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Venda de remédios sem eficácia comprovada contra a Covid dispara

A hidroxicloroquina (antimalárico), a ivermectina (vermífugo) e a nitazoxanida (antiparasitário) tiveram altas expressivas nas vendas em 2020.

4 Fev 2021 - 13h34Por G1

No balcão da farmácia, o cliente pede um vermífugo para combater a Covid-19. Apesar do alerta do farmacêutico de que não há eficácia comprovada, a compra é concluída. Com ou sem o aviso na drogaria, a cena se repetiu à exaustão em 2020, fazendo com que medicamentos como a hidroxicloroquina (antimalárico), a ivermectina (vermífugo) e a nitazoxanida (antiparasitário) tivessem altas expressivas nas vendas em 2020.

Apenas no caso da hidroxicloroquina, o total mais que dobrou, passando de 963 mil em 2019 para 2 milhões de unidades em 2020, conforme levantamento obtido com exclusividade pelo G1 junto ao Conselho Federal de Farmácia (CFF).

Na base desta discussão está o uso dos medicamentos off-label (fora da indicação já prevista em bula): o Conselho Federal de Medicina (CFM) diz que não endossa o uso, mas defende a autonomia dos médicos (veja mais abaixo).

Aos três remédios já citados acima se juntam outros (veja lista abaixo) que chegaram a ser agrupados no chamado kit Covid, voltado ao suposto "tratamento precoce" da doença. As drogas foram prescritas por médicos brasileiros apesar de estudos científicos no Brasil e no mundo não apontarem benefícios e alertarem para riscos associados ao uso.

 

Além de especialistas, de algumas entidades médicas e de pesquisas publicadas em revistas científicas, até mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou a ineficácia da estratégia off-label que impactou o varejo farmacêutico. Entretanto, na avaliação das empresas, a responsabilidade pelo aumento das vendas fica com os profissionais que têm poder de assinar a receita.

  • Procurado pelo G1, o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) disse que: "não se pronuncia publicamente em situações que envolvem produtos e empresas determinados, como é o caso desta pauta". A entidade indicou que o G1 procurasse as empresas para um posicionamento.

O Sindusfarma complementou: “Todos os medicamentos aprovados e registrados pela Anvisa para uso no país, inclusive os produtos citados na reportagem, têm eficácia comprovada para as indicações terapêuticas de suas bulas, devendo ser consumidos de acordo com as prescrições e orientações de médicos, farmacêuticos e demais profissionais de saúde habilitados, ou seja, inclusive off-label, desde que sigam novas indicações terapêuticas baseadas na prática médica e na ciência” (ao final da reportagem, leia nota do Sindusfarma).

A FQM, uma das 10 que comercializam o vermífugo nitazoxanida, enviou nota ao G1 na qual diz que o medicamento por ela batizado de Annita "não tem a indicação formal de combate ao SARS-Cov-2 na bula", mas que apoia quatro estudos clínicos da substância como alternativa contra o Sars-Cov-2 e citou que estudos in vitro (em laboratório) ainda não publicados apontam "poder inibidor" da molécula contra o vírus.

Apesar disso, a FQM lembra que não há fármaco aprovado contra a Covid e apontou que o uso é de responsabilidade dos profissionais.

"(...) torna-se exclusivamente uma decisão médica o uso como tentativa de terapêutica para a doença, onde o profissional deverá assumir a responsabilidade da prescrição, com o consentimento do paciente" - FQM, uma das fabricantes da nitazoxanida

A EMS, uma das empresas que que produzem a hidroxicloroquina/cloroquina no país, destacou em nota ao G1 que tem a "missão de cuidar de pessoas sempre com responsabilidade e com o apoio da ciência", e citou que a responsabilidade é dos médicos.

"Os médicos são os únicos profissionais habilitados a prescrever o uso adequado do medicamento, seguindo os protocolos de Medicina" - EMS, uma das fabricantes da hidroxicloroquina

Pressão na farmácia, off-label

Entidades e especialistas ouvidos pelo G1 apontam que o aumento no faturamento das empresas com a alta nas vendas é reflexo de uma pressão nas farmácias que foi incentivada com declarações e medidas por representantes e órgãos do governo federal, somados a uma falta de posicionamento crítico do próprio Conselho Federal de Medicina (CFM) em relação ao uso dos medicamentos off-label (fora da indicação já prevista em bula).

"A verdade é que os medicamentos estão sendo prescritos [pelos médicos]. Com as falas do presidente (Jair Bolsonaro) e a defesa de outros membros do governo, isso criou uma pressão muito grande em cima dos profissionais de saúde. Os pacientes muitas vezes ouvem o que diz o presidente e entendem que pode haver uma saída", disse Marcos Machado, do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CFF-SP).

Presidente Jair Bolsonaro participa de evento no Planalto sobre uso da nitazoxanida contra a Covid  Foto: Isac Nóbrega/PR

Presidente Jair Bolsonaro participa de evento no Planalto sobre uso da nitazoxanida contra a Covid — Foto: Isac Nóbrega/PR

Quando os números das vendas são destrinchados mês a mês (veja no gráfico mais abaixo), é possível ver uma flutuação diretamente relacionada com a publicação das resoluções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que abrandaram ou restringiram o nível de exigência das receitas – inclusão ou exclusão dos medicamentos na lista de controle especial.

 

"O aumento ou a diminuição das vendas varia muito em função da rigidez, ou da flexibilização, da norma sanitária que é estabelecida pela Anvisa. Observou-se isso com a hidroxicloroquina, que em março passou a ser controle especial, e isso dificultou o acesso às compras. A gente vê claramente nos dados que as vendas diminuíram. Depois, quando a Anvisa muda de novo, passa a exigir uma receita simples, os números são impressionantemente aumentados", explica o professor Tarcísio Palhano, assessor da presidência do CFF e presidente da Sociedade Brasileira de Farmácia Clínica.

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